PORQUE DEVE JESUS CONTINUAR?

Ora bem, estamos já em final de temporada mas é natural que já se especule sobre a continuidade ou não de Jorge Jesus. Mantendo a coerência no discurso que venho apresentando ao longo destes três anos, sou a favor da continuidade do actual treinador do Benfica. Em seguida, tentarei explicar porquê.

Jesus está longe de ser um treinador perfeito. Tem alguns defeitos, visíveis aos olhos do mais simples adepto, mas também tem muitas coisas positivas. Façamos então uma breve análise ao seu percurso, medindo os prós e contras:

Adenda: Concordo que se deva analisar o trabalho do Jesus num todo, isto é, desde o principio do seu trabalho até aos dias de hoje. E assim o farei.

CONTRA:

- Para mim, o ponto que mais detesto nele é a sua teimosia. É bom quando uma pessoa é optimista e acredita profundamente nas suas capacidades mas pode tornar-se em algo negativo quando se pensa que tudo o que se faz é bem feito e que dificilmente o erro fará parte do seu dicionário. Durante três temporadas, tivemos três casos ilustrativos disso mesmo: Roberto, César Peixoto e Emerson. 

- Passividade demontrada no mercado de Inverno. Nestes dois últimos anos, a equipa foi severamente penalizada por não rectificar situações pontuais em Janeiro. O ano passado, Gaitán e Sálvio não tinham concorrência nas alas e quando rebentaram, a equipa quebrou completamente. Este ano, esses problemas à frente foram corrigidos mas situações do género ocorreram na zona defensiva. Se as lesões dos centrais são coisas que podem acontecer, já a ausência de alternativa a Maxi e a inexistência de (pelo menos) um bom lateral esquerdo fizeram a equipa sucumbir perante equipas que, habilmente, souberam explorar essa situação. Muitos foram os golos sofridos em casa, sendo, por exemplo, os casos de FC Porto (com Hulk) ou do Chelsea (com Ramires e Torres no golo) os casos mais sintomáticos.

- Diferença de tratamento entre jogadores do plantel. Esta característica muito sua tem coisas boas mas também tem coisas más. Jesus é assim, quando gosta de um jogador, praticamente "despe a camisa" por ele. Temos casos evidentes como Gaitán, Cardozo, Javi, entre outros. Se são, digamos, os seus "meninos bonitos", significa que podem estar tranquilos porque têm todo o apoio e confiança do mundo para jogarem, independentemente do seu estado de forma. Ora, é evidente que este aspecto, nesta perspectiva, é bom. É fantástico quando o jogador se sente admirado e respeitado pelo treinador. E é assim que Jesus consegue valorizar muitos jogadores já que é capaz de os apoiar incondicionalmente, independentemente das criticas que possam vir do exterior. Mas aqui a questão é que tais situações de diferenciação de tratamentos também podem jogar contra si. Veja-se a forma como tratou Moreira e Júlio César quando Roberto ocupava a baliza e, mais recentemente, temos o caso de Capdevila, sendo que poderia salientar muitas outras situações.

- Dois anos seguidos sem o título nacional. Para muita gente, e porque estamos a falar do Benfica, é motivo para despedir o treinador. Não vou por aí - e nos pontos a favor tentarei explicar porquê - e, apesar de ter colocado este ponto como "contra", apenas o fiz porque a ausência do título nacional é algo que indirectamente joga contra si já que o grande objectivo do clube no início de cada temporada é precisamente conquistar o campeonato nacional.

A FAVOR:

- Devolveu ao adepto benfiquista o prazer de ver a sua equipa jogar à bola. O primeiro ano terá sido a sua melhor temporada (daí o título nacional) mas também a foi porque tinha, quanto a mim, o melhor onze inicial dos últimos 20 anos. Recordo, para os mais esquecidos, que havia Coentrão, David Luíz, Ramires, Di Maria e o melhor Saviola. Ainda assim, tivemos momentos fantásticos nestes últimos três anos e foi graças aos seus métodos de trabalho.

- A mentalidade de Jesus.  Treinador de ataque e com um estilo de jogo daqueles que eu gosto. Desta temporada para a anterior, percebeu que nas competições europeias teria de jogar mais fechado e isso, para além de lhe ter dado frutos, deixou também no ar de que, ainda que não o demonstre nas conferências de imprensa, está a aprender com os erros do passado e ainda tem margem para melhorar no futuro.

- Capacidade em valorizar jogadores. Creio que nisso estamos todos de acordo. Se vissem aquilo que escrevi no blog sobre Coentrão e Rúben Amorim antes de Jesus, assustavam-se. 

- Vive do seu trabalho. Respira futebol, vive para o clube e estuda ao pormenor todas as equipas. Vai mais longe pelo facto de, volta e não volta, funcionar como olheiro do clube já que, através dos muitos videos que vê, consegue trazer jogadores relativamente desconhecidos e de boa qualidade.

- A dimensão europeia que deu ao Benfica. Eliminado na Liga Europa pelo Liverpool nos quartos (2009-10) e pelo Braga nas meias (2010-11), afastado este ano nos quartos da Champions pelo Chelsea. No meio disto tudo, um notável percurso em casa e alguns bons resultados fora (vitórias em solo alemão ou inglês, por exemplo). Já para não falar também no respeito que o nome Benfica ganhou fora de portas. Se isto não é um bom cartão de visita...

- O conhecimento do plantel. São três anos de trabalho. Os jogadores sabem o que o treinador pretende e o líder encarnado conhece melhor que ninguém aquilo que os seus atletas valem e são capazes de fazer. Começar tudo de novo, a menos que se tratasse de algum treinador de reconhecida craveira internacional, seria, no meu ponto de vista, um erro.

- A confiança que transmite aos seus jogadores. Cardozo joga mal um jogo ou falha uma grande penalidade, Jesus vem à conferência de imprensa salientar tudo aquilo que o paraguaio já fez de bom ao serviço do clube e, no jogo seguinte, coloca-o outra vez de início e é o primeiro a mostrar que está com ele. Jardel, como é uma aposta sua, defende-o com unhas e dentes dos criticos.  Jesus sabe que Gaitán é craque e, mesmo com tiques de vedeta e de menino mimado, dá-lhe total apoio porque sabe que só com muito mimo e muito carinho é que pode tirar o máximo partido do argentino. Enfim, poderia estar aqui a dar uma infindável lista de exemplos que fazem com que jogadores aparentemente bons se tornem muito bons. Volto a salientar que Jesus acreditou em Di Maria, Coentrão ou Cardozo (era suplente com Quique) no passado quando poucos acreditavam neles e agora está a fazer o mesmo com Gaitán, por exemplo. 

- Por último e não menos relevante, Jesus deu ao Benfica a capacidade para, ano após ano, estar objectivamente na luta pelo título. Recordo-me que nos finais de 90 e no pós milénio, o Benfica apenas se apresentava como candidato no papel. Sim, podem argumentar que vitórias morais ou "apenas" candidaturas não valem rigorosamente nada. Verdade. No entanto, tenho para mim que o Benfica, com Jesus, voltou a ser respeitado em Portugal e mostrou todos os anos argumentos para conquistar o título, sendo inclusive a espaços (uns mais longos que outros) considerada a melhor equipa a jogar em Portugal. Mesmo no inesquecível ano de Villas-Boas verificámos essa situação.

Pesando os prós e os contras, só me resta acreditar que para o ano irão ser corrigidos os erros atrás e Jesus, com menos teimosias, irá, com toda a certeza, dar seguimento ao, quanto a mim, bom trabalho que vem desempenhando até então. Uma coisa também me parece clara: Jesus já não goza daquele estatuto de "salvador" que gozava após aquela magnífica primeira temporada e isso, por incrível que pareça, poderá jogar a seu favor. Efectivamente, o técnico encarnado sabe que, numa próxima temporada, não se poderá dar ao luxo de fazer apostas no escuro (ao jeito de Emerson) e, como tal, irá proceder de uma forma mais pragmática, algo que, de resto, já começa a evidenciar neste final de temporada com algumas medidas mais populares dentro da massa associativa.